24 maio 2010

Nirton Venancio


foto de Mário Cravo Neto
Armadura


Meu corpo é a única coisa que tenho
que é nada
e como suicida
luto contra moinhos, tempestades e solidão
que é tudo.

Escondo-me nesta armadura de ossos,
carne
e vestimentas
e espio a vastidão do mundo pelos buracos dos olhos
como quem espia lugares estranhos
infinitos
perigosos.

Meu corpo é a única coisa que tenho
para carregar o pretexto da alma.
É magro, feio e escandaloso
o corpo
mas é única coisa que tenho
para caminhar pelo tempo e pelos sertões.

Garantia não tenho
se o meu corpo é forte e frágil ao mesmo instante
se sujeito-me ao abismo
ao chão
à poeira
se estou marcado para me tornar saudade
lembrança
e fotografias
e minha história não terá mais
um cavalo para montar
e serei uma estátua invisível no espaço.

Garantia não tenho
de nada
nada
não levarei escondido no bolso
nenhuma semente
nenhum suspiro
nenhum gesto
pois tudo é podre
condenável
consumível.

Só é garantido o mais difícil:
a miragem na imensidão
o que se supõe ao longe
o completo mistério
para se chegar até lá
não se sabe com que corpo
não se sabe com que asas
não se sabe.



(do livro “Poesia provisória”)

11 maio 2010

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO



CÂNTICO DOS CÂNTICOS


Que as tuas nádegas aventureiras estejam abertas
para o poema em linha reta que te ofereço,
que a minha escrita torta e avessa
chegue linheira na olaria de tua carne
e ardas e ardo neste morno forno
das tuas nádegas tão abundantes.

Das tuas nádegas tão montanhosas
o horizonte é mais macio e a minha linguagem
saboreia o mel do fel que trazes
e de teus olhos gemem os arco-íris
e teu corpo todo é um esplendor, uma assombração
e quanta delícia anunciam teus arrepios
e tuas nádegas aventureiras tão venturosas
são uma tempestade de emoções.

Que idioma mágico que tu inventas
quando me aventuro por tuas nádegas
e me perco profundamente e profundamente
me encontro na plenitude cega que tudo enxerga
e profundamente me encanto cantando uníssono
neste nosso idioma o novo cântico dos cânticos.

29 maio 2009



Espera


Vai brincar com as estrelas!
Teu destino azul te segues
e teu silêncio me emudece.

Pelos vitrais dos meus olhos
espio cometas que saem de ti
arranco-te aos pedaços
como se despetala brutalmente uma flor.

Por onde tu vais
eu irei na direção da tua luz:
clarões a me guiar
como mísseis atômicos.

E quando o finito arrancar do teu peito
todo o caos
eu ainda estarei lá.


Sonho


Eis me aqui a galopar contigo por entre os sóis;
o vento foge por nossos dedos
e os poetas renascerão de um vulcão
as lavas queimarão nossos rastros.

Deixais que eu repouse
na palma da tua mão
e que sem pressa eu acorde
pois tu, em sentinela e vigília profunda
me velarás e me contarás os teus segredos.

E eu, tonta de amor, te beijes
e teus lábios selem os meus
depois de uma noite chuvosa.

E na manhã de sol
num segundo instante,
tu te ausentarás de tal maneira
que ainda posso sentir
que estás ao lado meu.

Ana Cristina Souto


Tarda, amor!


Como uma sombra em silêncio
segues cada passo teu;
sinto o mistério do teu perfume
em cada vão momento meu.

Se não posso amar-te,
deixes que tua sombra me persigas
assim, me servirei do teu silêncio
acalentando meu coração outra vez.

Sabe, amor,
lembro dos sonhos que desfiz
à espera do preço por querer-te
tortura infinda...
que por ventura, eu escolhi.

Tarda , amor!
Mas voltes com a tua sombra
para me dar abrigo
e não me deixes acordar dessa quimera
e o sol se cobrirá de amarelo como o outono
desfolhando o passado de nós dois.

Ana Cristina Souto





Se não viesses nunca


Se não viesses nunca
eu jamais saberia o que era amar
e a dor de perder-te.

O teu semblante
nada disse aos meus olhos.
Nem ilusão restou
à renúncia suprema da tua face.

Tu foste o ser mais amado!
Olho ao redor e não te vejo.
Eu te disse que vinha e vim,
vã ilusão que me entorpece.

Eu quero, nem que seja
a tua sombra
à pisar em ti entre o orvalho da vida

Se não viesses nunca
eu jamais saberia o que era amar
e a dor de perder-te.


24 maio 2008

Ana Cristina Souto


Feitiço das mágoas



Aquele homem
Cujos pilares gregos
transitava meu caminho
e fitavam-me
os olhos
abrigo de luas,
se foi!

O bambual chorou,
palavras fraturaram almas.
Enegrecido o sol
dos pomares...

Meu senhor,
meio seio secou!

O rio da saudade
rio/ enchente/ fel
amargou a imagem dos narcisos.

Urdia o tempo
e nuvens,
vestígios do meu pranto rarefeito
prenunciavam cantos das trombetas.

Enfeitiçada pela dor;
estátua de ilusões
por onde tantos passavam,
os passarinhos se aninhavam às mãos.

Meu senhor,
em desassossego
entre sais, ventos e sóis
trago-te a mim,
aclamando
ao tomento meu
de morta viva.

23 maio 2008

Manuel Bandeira


Não te doas do meu silêncio:

estou cansado de todas as palavras.

Não sabes que te amo?

Pousa a mão na minha testa:

captarás numa palpitação inefável

O sentido da única palavra essencial:

- AMOR .

27 julho 2007

Petrúcio Maia e Capinam


"Sei que há milhões de sóis e eu nunca só estarei se tua paixão for igual a minha serei sempre um astro rei...Não importa se nos vemos de duas janelas distintas como se distante fosse vênus esse olhar que tanto brilha...No meu sonho estás mais linda que uma festa de sereno não imaginas o veneno que a solidão me ensina...Pois então se estás em marte em mercúrio ou em plutão meu coração não reluta em amar-te aqui no chão...Se cada fase da lua fosse fruto de nós dois constelações proibidas o que seremos depois...


.

20 julho 2007

Mario Quintana


.SE EU FOSSE UM PADRE


Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...

Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
... a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -
um belo poema sempre leva a Deus!

Ruy Espinheira Filho

Soneto do amor e seus sóis



Eram teus olhos de água, olhos de água
ensombrada de folhas, eram teus
olhos de água marinha, eram teus olhos
de água límpida, ou turva, eram teus olhos
de água cintilante de tão negra,
eram teus olhos de água luminosa
como só umas raras dessas brisas
chamadas alma, eram os teus olhos
— e eis que teus olhos ainda são, que sempre
outros olhos e os mesmos: o amor
diverso e idêntico no azul do peito
a amanhecer-me, a moldar-me as
asas de mergulhar no chão profundo
e patas de galgar os altos ventos.


10 junho 2007

Ana Cristina Souto


Em ti


Em ti
minha voz tempestuosa
encontra paz
dos teus anseios lavrados.

Em ti
descobri o silêncio duro
que renega como escudo
à minha tola intrepidez.

Em ti
pus amarra nos punhos
sacrifiquei tua doçura
para manter-me dignamente pura.

Em ti
morri e removi montanhas
talhei em mármore teus olhos claros
que reluzem o pó do meu tesoiro.

Em ti
Ah! Em ti!
Amei-te como quem lava um leproso
e das fímbrias do meu ser
lambi tuas feridas e entranhas
cuspindo o mal à tua cura.

Em ti
ressurjo poisando no cimo
das tuas costelas
que as dedilho brincando
num ábaco
enumerando as meias-verdades
revelando a brisa passada
no dia em que contavas
tuas sublimes sardas.

Em ti
não há estação que adorne
a saudade do turbilhão
dos beijos que ora me deste.

Em ti
foram as maçãs do teu rosto
que comi pecaminosamente
sem remorso aparente
matando a fome do meu ventre.

Pablo Neruda

Fragmento de um texto


... Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o "preto no branco" e os "pingos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam o brilho nos olhos, sorrisos e soluços, corações aos tropeços, sentimentos...

17 maio 2007

Hélio Aroeira

Foto: Drica Del Nero




Por um milésimo de tempo
nossos olhares se fixaram
- pupilas congeladas no instante indizível
pude então penetrar naquele azul profundo
de um brilho ancestral na íris
de remota familiaridade
um olhar antigo
reconhecido num piscar de eras

almas gêmeas
forjadas no astral dos tempos

eternas, vigilantes
em todas as épocas.

14 maio 2007

Menotti del Picchia


O Vôo


Goza o vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas,tempo e vento,desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite,enche-o de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota,
como um pássaro,
as canções que tens na garganta.
Canta.
Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo ao céu?
Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as asas.

Goethe



A superstição é a poesia da vida.

Olegário Mariano


O Enamorado da Vida

...

Eu sou um enamorado da Vida!
Tenho ímpetos de voar, de galgar, de vencer
Colinas, penetrar o coração dos vales,
Relinchando feliz como um potro selvagem
Que solta as crinas no ar para melhor correr;
Ou retesar as asas brancas de gaivota
E atirar-me na fúria incrível das procelas;
Beber em haustos toda a glória do mar alto,
Rolar no bojo dos batéis desarvorados
Ou as asas enxugar no alvo lenço das velas
Vida!
Quero viver todas as tuas horas,
As que prendi na mão e as que nunca alcancei.
Ser um pouco de ti no espelho das paisagens
Para, quando morrer, levar dentro dos olhos
A beleza imortal de tudo quanto amei.

Antero de Quental


O Que Diz A Morte


Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem...
Em mim, os sofrimentos que não saram,
Paixão, dúvida e mal, se desvanecem.
As torrentes da dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem.
Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisíveis, muda e fria,
É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.

Pablo Neruda



Já és minha.
Repousa com teu sonho em meu sonho.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite sobra suas invisíveis rodas
e junto a mim és pura como âmbar dormido.
Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma mais viajará pela sombra comigo,
só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.
Já tuas mãos abriram os punhos delicado
se deixaram cair suaves sinais sem rumo,
teus olhos se fecharam como duas asas cinzas.
Enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,
e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.

Rivkacohen

Particularmente hoje




Hoje,
particularmente hoje,
estou assim...
Meu corpo num canto jogado
Até o sol não saiu..

O pássaro que cantava,
sumiu..

O vento que soprava,
está parado

Hoje,
particularmente hoje,
O universo está calado..

29 abril 2007

T.S. Elliot



RECOMEÇAR


Não há amor perdido, nem se fingem milagres
Não reparto o destino que me expia em saudades...
E o grito ecoa profundo;
“ Quero o meu mundo!
“O assalto recomeça, o espelho fascina
Sigo encoberto, o quebranto domina...
Mas a vida desalinha!
Sepulto a ruína, ressurjo em apreço,
E de novo, recomeço.

Só quem se arrisca a ir longe demais
descobre o quão longe se pode ir.

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Postagem destinada a minha amiga Fênix Solange Benevides .

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28 abril 2007

Gerardo Mello Mourão


O QUE AS SEREIAS DIZIAM A ULISSES NA NOITE DO MAR


Não partas!
Se partires
as velas de tua nau serão escassas
para enxugar-te as lágrimas - e nunca
nunca mais tocarás a pele das deusas
nunca mais a virilha das fêmeas dos homens
e nunca mais serás um deus.

Ledo Ivo

SONETO PURO

Fique o amor onde está; seu movimento
nas equações marítimas se inspire
para que, feito o mar, não se retire
das verdes áreas de seu vão lamento.

Seja o amor como a vaga ao vago intento
de ser colhida em mãos; nela se mire
e, fiel ao seu fulcro, não admire
as enganosas rotações do vento.

Como o centro de tudo, não se afaste
da razão de si mesmo, e se contente
em luzir para o lume que o ensolara.
Seja o amor como o tempo — não se gaste
e, se gasto, renasça, noite clara
que acolhe a treva, e é clara novamente.

Soares Feitosa

O Prisioneiro



Trouxeram-me a prisioneira ao interrogatório.

Recusei-me às perguntas porque as respostas estavam ao passado.

Sequer o futuro se lhe indagou;

que também recusou perguntar, quando os carrascos lhe disseram:


— Pergunte o que quiser.
Ela apenas balbuciou:

— Eu sei.

Mentíamo-nos, porque jamais nos víramos.

Decretei a prisão imediata de todos os carrascos.

Mantive a prisioneira sob algemas,

que ninguém é louco de manter tesoiro tão rico ao léu;

mas, prudência maior, soltei-lhe os braços e mudei as algemas
aos meus próprios pulsos.

Ela — os gestos diziam que me seriam sob afagos.

Deixei: apenas que os olhos, os cabelos úmidos:

— Os meus? Os dela?

Era o chamamento.



Fortaleza, noite, 11.12.1999

Olavo Bilac

CONSOLAÇÃO


Penso, às vezes, nos sonhos, nos amores,
Que inflamei à distância pelo espaço.
Penso nas ilusões do meu regaço
Levadas pelo vento a alheias dores...
Penso na multidão dos sofredores,
Que uma bênção tiveram do meu braço.
Talvez algum repouso ao seu cansaço,
Talvez ao seu deserto algumas flores...
Penso nas amizades sem raízes;
Nos afetos anônimos, dispersos,
Que tenho sob os céus de outros países...
Penso neste milagre dos meus versos:
Um pouco de modéstia aos mais felizes,
Um pouco de bondade aos mais perversos...

Mario Quintana

ENVELHECER


Antes, todos os caminhos iam.

Agora todos os caminhos vêm.

A casa é acolhedora, os livros poucos.

E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

Lucinha Araújo


O INSTANTE


Eu não quero nada,
não te peço nada.
Só que fique aqui bem perto,
inquieto ou de modo que eu possa;
ouvir a sua respiração;
Dividiremos o espaço,
como quem partilha bocados;
com generosa ternura.
Olhando um para o outro
com o zelo sagrado da contemplação,
sem ruídos...sem exigências...sem procuras...
Porque já basta o que temos,
e o momento é irretocável.

Cecília Meireles


Luar Póstumo



Numa noite de lua escreverei palavras,
simples palavras tão certas
que hão de voar para longe, com as asas súbitas,
e pousar nessas torres das mudas vidas inquietas.


O luar que esteve nos meus olhos, uma noite,
nascera de novo no mundo.
Outra vez brilhará, livre de nuvens e telhados
livre de pálpebras, e num país sem muros.


Por esse luar formado em minhas mãos, e eterno,
é doce caminhar, viver o que se vive.
Porque a noite é tão grande... Ah,quem faz tanta noite?
E estar próximo é tão impossível!

Clarice Lispector


Dá-me a tua mão



Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.


De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

Florbela Espanca



Voz Que Se Cala


Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.

Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.

Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!

Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!...

Ana Cristina Souto


Mel

Quando suavemente deslizaste
as mãos afastando a franja que revelaram
o mel do meu olhar
- que douram a tua fronte -
lamentei pelos beija-flores;
que só a ti cedi o pólen
ao beijares a pele da minha córnea.
Ante às trevas encontro a luz do teu olhar!
Eu te sorvo onde o amor reside...
Tu me fizeste maior;
melhor do que jamais poderia eu ser.


Silêncios comedidos, gritos, tantos sons irreverentes.
Nossos sonhos??!!!
- Jamais acorde-os!
Avante a sonhá-los.
Ah! Essas alegorias da realidade:
Mesmo sabendo que virás;
pela fresta da janela,
espreito à tua chegada....

::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
Pequeninos reveses
que teimaram em ruir nossas vidas...
Somos rochas; tais ondas não nos destruíram
a atmosfera ao nosso redor - tudo suporta
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

Teu corpo / o meu desejo.
Tua alma / os meus sentidos.


Bebamos nosso amor num copo de mar!
Ah! Esses lábios de hortelã
que beijam a minha poesia
nas páginas de vida nova
no livro do nosso tempo...


Você é a soma das minhas decisões;
Que sejam doces
os nossos destinos e desafios;
Como a colméia dos meus olhos.

Ferreira Gullar

Cantiga para não morrer


Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

W. Wordsworth




How strange that all The errors, pains, and early miseries,

Regrets, vexations, lassitudes interfused

Within my mind, should e'er have borne a part

And that a needful part, in making up

The calm existence that is mine when

I Am worthy of myself. *

___________________________________________________________________

*
Como é estranho que todos

Os erros, sofrimentos e males de outrora,

Remorsos, humilhações e cansaços misturados

Na minha alma, tenham tido a sua parte,

A sua necessária parte, na criação

Desta calma existência que é a minha quando

Sou digno do meu ser.


The Prelude (1850)

Hermann Hesse




"A trajetória de nossa vida pode parecer definitivamente marcada por certas situações. Nossa vida, entretanto, conserva sempre todas as possibilidades de mudança e conversão que estiverem ao nosso alcance. E tais possibilidades são tanto maiores, quanto mais abrigarmos em nós de infância, de gratidão, de capacidade de amar."


Jean-Jacques Rousseau

Abrazo - Eduardo Naranjo



FELICIDADE PERENE E FELICIDADE DURADOURA


Por entre as vicissitudes de uma longa vida, reparei que as épocas das mais doces delícias e dos prazeres mais vivos não são aqueles cuja lembrança mais me atrai e mais me toca. Esses curtos momentos de delíriro e paixão, por mais vivos que possam ter sido, não são, no entanto, e até pela sua própria intensidade, senão pontos bem afastados uns dos outros na linha da minha vida. Foram demasiados raros e demasiado rápidos para constituírem um estado, e a felicidade de que o meu coração sente saudades não é constituída por instantes fugidios, é antes um estado simples e permanente que em si mesmo não tem vivacidade, mas cuja duração aumenta o seu encanto ao ponto de nele encontrar finalmente a felicidade suprema.

em Os Devaneios do
Caminhante Solitário

Nietzche

Fragmento de texto



"Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida. Ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem número, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio, mas isso te custaria a tua própria pessoa: tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Aonde leva? Não perguntes, siga-o!"

Virginia Woolf

Fragmento de um texto




"... pois nenhum ser humano deve tapar o horizonte, se encararmos o fato de que não há nenhum braço em que nos apoiarmos, mas que seguimos sozinhas e que nossa relação é para com o mundo da realidade e não apenas para com o mundo dos homens e das mulheres..."

José Saramago

Poema à boca fechada


Não direi:

Que o silêncio me sufoca e amordaça.

Calado estou, calado ficarei,

Pois que a língua que falo é de outra raça.


Palavras consumidas se acumulam,

Se represam, cisterna de águas mortas,

Ácidas mágoas em limos transformadas,

Vaza de fundo em que há raízes tortas.


Não direi:

Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,

Palavras que não digam quanto sei

Neste retiro em que me não conhecem.


Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,

Nem só animais boiam, mortos, medos,

Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam

No negro poço de onde sobem dedos.


Só direi,

Crispadamente recolhido e mudo,

Que quem se cala quando me calei

Não poderá morrer sem dizer tudo.

09 abril 2007

Soares Feitosa





Dedicatória


O ar, amor —
este ar que eu te respiro.


SF,
Fortaleza, 30.10.2006, tarde em sol

16 fevereiro 2007

Grazzi Barreto

Foto: Margarida Delga
ProsaPoéticamorosa

O valor que me cabe nesse momento de delírio é o que preenche a tua existência em mim. Se fosses metade do que sou, ainda assim seria maior do que eu, pois as medidas que lhe vestem são superiores às incomensuradas peles de que disponho. Ah...que me falta para perder a compostura de ser somente eu, senão um elétron de arquitetura? Há riqueza sim, na servidão, a depender de quem serve e de quem é servido. És por acaso um deus revelado aos meus olhos desejosos, um que ao me ver na feiúra onerosa dos meus excessos, me sorri mesmo assim?A tua boca, a mais doce, tão completamente, que o alfabeto se torna pequeno em tua língua. Não, essa não é uma simples boca, é qualquer coisa entre um sonho interminável e a singularidade da natureza. Tanta salinidade faz-me pulsar tanto que paraliso, incoerentemente perdida no meu próprio templo. Um desejar tanto faz de mim uma tua. Um querer tanto assim, faz dessa tua, um bem. E maior bem do que o justo efeito da causa, não há...

Ana Cristina Souto

Foto: Anne Brigman


Enfim

Pelos privilégios de suprema covardia
estilhacei minha imagem 7 vezes:

lamúria dos espelhos!

Foi-se embora o reflexo do tempo
o ódio às rosas espinhetas
sufoquei todos os escaravelhos.

Então,
como se fosses
brilhe morno desse sol
dos ventos alísios
e infinitamente distante
à minha fronte
meus claustros olhos
não deteram-se
- aos teus cabelos de prata.

Tiraste-me todos os véus
dos grilhões de minha amargura.

Não importa que eu sejas a primeira;
basta-me ser tua última!

Dos teus rochedos
que ergueram minhas ruínas;
toquei as estrelas
- ou seria o dedo Dele?

Enfim, capte-me
sem tortura de êxtases;
nos ventos das canções nos trigais
ou na penumbra vilã desses instantes;
- das mãos que desvendam os segredos das almas.




José António Gonçalves


Vem

1

Vem. Imagina-te no centro de todas as viagens.
Traz o perfume de outras eras, dos dias felizes em que fomos
alguma coisa mais. Talvez crianças breves, pássaros
feridos por um amor com sede de infinito.

Lembra-me os invernos, os outonos com sabor a erva
e a folhas gastas pelo tempo. E abre-me as janelas
que me fechaste um dia. E deixa-me entrar como uma brisa
em busca dos teus olhos, soprando nos teus cabelos.

Mas vem. Cobre-te de névoa e de flores. Veste o céu azul
e os prados verdes. E sorri, no silêncio possível do reencontro.
Deixa-te cair, nua e leve, nas asas do vento,
como uma pétala de rosa sem destino,
uma bola mágica de sabão
reflectindo sonhos no espaço. E aconchega-te dentro de mim.

Mas vem, anjo de transparências, de mãos brancas e suaves,
fruto exótico das minhas miragens. Vem. Traz a pureza
dos campos, o som das ribeiras correndo pelas encostas,
o murmúrio da noite de encontro às madrugadas.


2

Vem, apenas. Como se o mundo estivesse acabando,
a cada passo que dás em busca do meu sonho. E depois
não houvesse mais nada. Só tu e eu, enlaçados em viagem,
sobrevoando todos os horizontes.

Mas vem. Vem. Vem sem perguntares pelo amanhã,
pelos abismos que se abrem nas fronteiras dos nossos corpos.
Vem apenas. Com a lucidez dos espelhos e a espuma
inquieta do mar, batendo no calhau da praia.

Vem, docemente, como um papagaio de papel-de-seda
em tardes de vento brando. E fala-me de fadas, de castelos,
de rios mansos, onde alguma vez pudemos navegar.
Mas diz-me coisas sobre as árvores e as casas. Ou leva-me
contigo, como se fossemos apenas aves e voássemos com
o mesmo bater de asas. Vem, ou deixa-me morrer
com a tua lembrança numa manhã cinzenta,
com as gaivotas gritando no cais
e os vagabundos repartindo o seu sono
com os meus pesadelos. Mas vem,
como se partisses para sempre
e me esquecesses
nas tempestades das invernias desta ilha
algures perdida no tempo.
Vem.


(in "Os Pássaros Breves", pgs. 31/32, Colecção "O Lugar da Pirâmide",
nº. 38, posfácio de João Rui de Sousa, Ed. Átrio, Lisboa, 1995)

05 fevereiro 2007

José Inácio Vieira de Melo


Epitáfio para Guinevere


Cavalos já foram pombos
de asas de nuvem.
Domingos Carvalho da Silva



Meus cavalos choram por ti, égua de olhos azuis.

Não mais invadirei o vento montado no teu galope.


Que fique inscrito na tua lápide

o verso de lágrimas dos meus cavalos.


Para tu, que trazias os céus dentro dos olhos,

o relinchar da paixão pagã

dos cavalos que trago dentro de mim.

Afonso Rommano de Sant' Anna

Poemas Para a Amiga

Fragmento 2


Eu sei quando te amo:

é quando com teu corpo eu me confundo,

não apenas nesta mistura de massa e forma,

mas quando na tua alma eu me introduzo

e sinto que meu sangue corre em ti,

e tudo que é teu corpo não é que um corpo meu que se alongou de mim.



Eu sei quando te amo:

é quando eu te apalpo e não te sinto,

e sinto que a mim mesmo então me abraço,

a mim que amo e sou um duplo,

eu mesmo e o corpo teu pulsando em mim.

21 janeiro 2007

Ana Cristina Souto
















Encontro Marcado


Aceito sugestões

de um futuro

ainda em gestação.


Interlúdio da dor

- amor a quatro mãos;

que esfaqueiam as desavenças

dos nossos incógnitos demônios pessoais.


Volta, meu amor!


Pega o trem da vida;

no final da linha

me encontrarás ainda menina

- à nossa esperança.

Emily Dickinson

Tradução de Manuel Bandeira

Beleza e Verdade

Morri pela beleza, mas apenas estava
Acomodada em meu túmulo,
Alguém que morrera pela verdade,
Era depositado no carneiro próximo.
Perguntou-me baixinho o que me matara.
– A beleza, respondi.
– A mim, a verdade, – é a mesma coisa,
Somos irmãos.
E assim, como parentes que uma noite se encontram,
Conversamos de jazigo a jazigo
Até que o musgo alcançou os nossos lábios
E cobriu os nossos nomes.

11 janeiro 2007

Ana Cristina Souto

Leila Kubba Kawash 1996
Lenda Oceânica

Em mim o teu coração.
E fui tolhida.
Passei por vendavais e tufões
dunas e marolas
e na derradeira
chorei. Em vão!

Quis espumar-te a lembrança
quis desenhar-te na areia
Por que?
Se eras tu que instigava
os meus desafios
e me transportavas à perdição.

Recordo a chuva a cair.
Um choro... Um lamento...
Relicário de mágoas.
Lanço lágrimas ao mar
como o sal da sua pedra;
pia batismal.

Ímpetos de ter-te;
Quando a chuva cai, leve, levemente.
Vai Chuva! Leva essa dor, harpejos e desejos!
Mas seja condescendente,
não me leve o amor embora!
Sem ele, secam-me as lágrimas.
Sem elas, sou seca de vida.

Sou ânsia de um cais.
Porto da tua embarcação
Mergulhado no sonho.
Guiar-te-ei a mim
Pelo canto da sereia...
Lenda do boto...

Mergulhemos sob a onda branca e fria.
Quem sabe? O destino e o fim;
Em nossos corpos de mares
em nossas seivas de algas
a morrer ou a viver de amor!
Sem morte que nos separe.

23 dezembro 2006

Ana Hatherly


Quando a lua vier tocar-me o rosto


Esta noite morrerás.

Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e aquele que procurar a marca dos teus passos
encontra urtigas crescendo por sobre o teu nome.
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e uma gota de sangue ressequido
é a marca dos teus passos.
No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio
e na casa do tempo a hora é adorno.
Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta marca o fim de um eclipse horário de uma partida iminente e o tempo apaga a marca dos teus passos por sobre o meu nome.
Constante.
O mar é isso.
A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas crescendo por sobre o teu nome.
O mar é tu morreste.
O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu partiste e no meu leite crescem folhas sangue.
A velocidade do sangue é tu partiste.
A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua e a opacidade do mar.
No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um prisma, um girassol em panóplia.
Agora a lua chega devagar e o mar é leito de tu teres partido, uma infrutescência de eu procurar a marca dos teus passos por sobre o meu rosto.
A noite é eu procurar a marca dos teus passos.
Esta noite a lua terá um halo de concêntricas florações de gotas do teu sangue e a irisada sombra do meu leito é o teu rosto iminente.
A lua é uma seta.
Tu partiste é o silêncio em forma de lança.
Esta noite vou erguer-me do meu leito e quando a lua vier tocar-me o rosto

vou uivar como um lobo.
Vou clamar pelo teu sangue extinto.
Vou desejar a tua carne viva, os teus membros esparsos, a tua língua solta.
O teu ventre, lua.
Vou gritar e enterrar as unhas nos teus olhos até que o mar se abra e a lua possa vir tocar-me o rosto.
Esta noite vou arrancar um cabelo e com a tua ausência faço um pêndulo para
interrogar a lua por tu teres partido e a marca dos teus passos ser a razão mágica de a lua poder surgir de noite e urtigas crescerem no meu leito.
E se encontrar a marca dos teus passos vou crivar-lhe o coração de alfinetes
para que tu partiste seja a razão mágica de tu poderes morrer-te.
Quando a lua vier em forma de lança vai trespassar um pássaro para lhe ler nas entranhas a direcção tu partiste e a marca dos teus passos consiste nos olhos
abertos de um pássaro esventrado.
Ah, mas o luar é uma pluma do meu leito e a lua é o colo de tu morreste para
poderes enfim tocar-me o rosto.

06 dezembro 2006

Pablo Neruda

Reflexos de outono,Washington Maguetas, 1993
Soneto XXV

Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o
outono.

05 dezembro 2006

Ana Cristina Souto















Desencanto

Tua silhueta
ainda arranha minha retina.
Contigo
ignorei o futuro
vislumbrei apenas o preciso;
— um blefe do destino —

Que seja!

Atravessei meus espinhos,
perdi todas as defesas.
Hoje,
imune à dor
- refém de mim,
lastimo a insistência da vida.

Poderia ser tudo maior.
Sim! Poderia!
Mas era preciso muito...
muito mais!

Nessa paixão sem amanhãs;
- réstia de luz -
refletida nessa taça de cristal trincada.